Sindical Quaggio 013

Professor Quaggio: “calcário é um produto-chave para agricultura tropical”

 

Sindical Quaggio 013Produtividade obtida nos últimos anos poderia ser maior, segundo Quaggio, se o Brasil aplicasse calcário nas quantidades apontadas pelos estudos
Foto: Divulgação

O engenheiro agrônomo José Antônio Quaggio fez ao longo de 36 anos de pesquisas mais de 500 palestras. A grande parte delas foi sobre análise de solo.

Como pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), realizou estudos que geraram previsões lançadas nas décadas de 1980 e 1990. Grande parte delas se confirmou. Os temas foram da produtividade agrícola do país, em números bastante otimistas, ao consumo necessário de calcário e fertilizante.

Porém, do alto do conhecimento obtido como estudante na Universidade Federal de Lavras (MG) na década de 1970, e aprimorado no Mestrado e Doutorado em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (USP), o pesquisador do IAC reafirma: “o calcário é um produto-chave para o desenvolvimento da agricultura tropical”.

A produtividade obtida nos últimos anos poderia ser maior, segundo ele, se o Brasil aplicasse calcário nas quantidades apontadas pelos estudos.

A avaliação vem de um pesquisador que desenvolveu métodos de análise de solo adotados em mais de 140 laboratórios e em outros países, como Argentina, Uruguai, Panamá e Costa Rica. Essa importância inclui a discussão sobre o efeito estufa para a atmosfera, tema que passa pela agricultura.

O site do Sindical foi conversar com o professor Quaggio em Campinas, no início de julho. Veja a seguir os principais trechos da conversa, que serão postados em duas partes.

Sindical – O sr. trabalha a questão da acidez dos solos no livro “Acidez e calagem em solos tropicais”. Esse livro vendeu 25 mil cópias desde o lançamento, no ano 2000. De lá para cá, muita coisa mudou nesse tema?

José Antônio Quaggio – Sempre trabalhei muito com a parte de acidez do solo. Estou reescrevendo o livro. De lá para cá há muita coisa nova.

Sindical – A questão climática, como o sr. está vendo?

Que o planeta está esquentando, isso está. É difícil dizer se é efeito do homem ou dos ciclos normais da natureza. A taxa de CO2 na atmosfera vem crescendo, mas há opiniões divergentes sobre os impactos. Tem gente dizendo que não, que o planeta está esfriando, principalmente os físicos. Os climatologistas são os que mais apontam o aumento de temperatura.

Sindical – E como o sr. avalia a questão da calagem e do CO2?

O calcário contribui para reduzir a liberação de gás carbônico gerado pela produção agrícola.

Sindical – Hoje o calcário é um dos insumos presentes na cadeia do agronegócio, cujos resultados têm sido bastante positivos. Qual a relação entre a correção do solo e o crescimento na safra?

É bom relatar que temos um programa de pesquisa com acidez de solo e calagem. A partir da década de 1980, incrementamos demasiadamente esse projeto, gerando muita informação importante para o Estado de São Paulo e para o país. Já naquela época demonstramos cientificamente que estávamos usando muito pouco calcário.

Ao mesmo tempo, na década de 1990, fizemos uma projeção: para a agricultura do Brasil duplicar sua produção, que na época era de 83 milhões de toneladas de grãos, ela precisava duplicar o consumo de fertilizantes e triplicar o de calcário. Hoje estamos falando num país que produz algo em torno 194 milhões de toneladas de grãos, e é impressionante como isso está diretamente ligado ao dobro do consumo de fertilizantes e ao triplo de calcário.

Com os dados, escrevi um texto nos anos 1990, com o título “Estratégias para a agricultura brasileira vencer seus desafios”, no qual falava da necessidade de alimentar uma população de 200 milhões de pessoas. As projeções conferem.

Sindical – Como o sr. via naquela época a ampliação da produção?

No texto, eu citava que uma das formas de produzir mais seria aumentar de forma horizontal, através de novas áreas plantadas. Outra forma, mais eficiente e menos agressiva ao meio ambiente, consiste no crescimento vertical, ganhando produtividade. Mas 70% de nosso solo tem naturalmente acidez. Digo que a primeira grande mentira contada neste país é aquela frase: “aqui, em se plantando, tudo dá”.

Sindical – Como esses dados repercutiram na época?

O texto causou um impacto muito forte, pois divulgamos num evento do IAC em que havia muita gente da imprensa. Hoje até ultrapassamos a produção que projetei naquela época.

Sindical – Qual a influência dos insumos nesses resultados?

Aumentamos muito o consumo de calcário e fertilizantes. Se você olhar o gráfico, verá que o consumo subiu par a par com a produtividade agrícola nacional.

Sindical – E ainda há espaço para crescer?

Temos espaço para ampliar a produtividade no Brasil. O maior espaço é na agricultura familiar. E é justamente na agricultura familiar que a acidez do solo está limitando mais a produção. O pequeno produtor ainda não está devidamente conscientizado que a correção da acidez é importante; ele sequer faz análise de terra.

Sindical – O sr. diria que a informação não chegou até o pequeno agricultor, ou chegou  e não foi processada?

Temos um sistema de extensão rural ainda deficiente no país. O médio e o grande produtor vão atrás da tecnologia. Já o pequeno produtor, parece que a tecnologia tem que ir atrás dele.

A agricultura de médio e grande porte está altamente tecnificada no Brasil, é uma das mais avançadas do mundo. Graças a elas, tivemos que mudar métodos de aplicação de calcário. Triplicamos a recomendação de calcário para solos tropicais. Até início dos anos 1980, usávamos um critério que recomendava um terço do que recomendamos hoje; tivemos que mudar métodos de análise de terra.

Essa foi a sustentação para tornar a agricultura brasileira bastante eficiente.

Com isso também tornamos os fertilizantes mais eficientes. Ou seja, o calcário é um produto-chave para o desenvolvimento da agricultura tropical.

Sindical – Nesse cenário, como ficou o consumo de calcário?

Veja, saímos de 78 milhões de toneladas de grãos nos anos 1980 para quase 200 milhões de toneladas, uma alta de 140%. Quanto à área, era algo em torno de 45 milhões, e fomos para cerca de 50 milhões de hectares.

O problema está aqui. São 50 milhões de hectares para 35 milhões de toneladas de calcário anuais. Em média, deveríamos estar consumindo uma tonelada por hectare/ano. Não estamos! Onde está o maior problema? Na agricultura familiar.

(Nota – Em breve postaremos a segunda parte da entrevista)

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