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Fava Neves: “Brasil precisa ficar atento às mudanças estruturais na agricultura”

Confira a segunda parte da análise de Marcos Fava Neves sobre a economia e a agricultura. Professor da Universidade de São Paulo e coordenador científico da Markestrat, Fava Neves analisou as mudanças estruturais nas cadeias produtivas do agronegócio, que transformam o mundo rural.

Anteriormente, ele havia abordado a questão dos custos de produção no Brasil.

(Veja aqui a primeira parte da entrevista).

Confira a seguir sua análise sobre mercados mundiais e como as tecnologias impactarão o campo.

Sindical – O sr. costuma fazer uma análise de mudanças estruturais da agricultura, sob uma perspectiva de 10 anos, no período 2015-2025.

Professor Marcos Fava Neves – Entre os países produtores, o Brasil é provavelmente o que mais de se adequa a análises das tendências e mudanças. É o novo cenário da agricultura, interferindo cada vez mais na vida do produtor. Vejo pelo menos 20 grandes mudanças nos próximos 10 anos.

Por exemplo, veremos maior volatilidade de preços na agricultura mundial. Há crescentes riscos devido às mudanças climáticas e maiores pressões na área de sustentabilidade, da economia de carbono, como também crescentes interferências das políticas governamentais. A questão política está cada vez mais intrincada no agronegócio.

Outra mudança é que o acesso à tecnologia terá posição cada vez mais importante. Sinaliza-se maior concentração dos produtores rurais, com mais propriedades sendo gerenciadas por um número menor de produtores mais eficientes. Isso impactará nas cadeias integradas do agronegócio.

O comportamento do produtor está cada vez mais profissionalizado, aumentando as exigências, o conhecimento técnico e mercadológico, fruto também de um maior acesso à informação.

Teremos diversificação da agricultura para outras regiões e atividades, fortalecendo a integração de grãos com produção de proteína animal, energia e atividades florestais. A agricultura do futuro será muito mais integrada.

Precisaremos de novas alternativas de suporte e crédito para os agricultores. Teremos restrições maiores sobre o uso da terra, o uso da água.

A oportunidade para o trabalho urbano aumenta a dificuldade de mão de obra rural.

A escassez de recursos para a produção agrícola, notadamente na China e Índia, tornará essas regiões cada vez mais dependentes de importações.

A necessidade de escala é um princípio básico para ganho de eficiência e redução de custos. O conceito atual da fronteira da propriedade será fortemente revisto em 10 anos para gestões de espaços integrados.

Chamo essa mudança no balanço de poder na direção dos grandes agricultores organizados e megaempresas integradas de comercialização e logística de “retorcimento” das cadeias integradas. Novos players participarão de funções que antes não executavam;

Por sua vez, os agricultores se organizarão cada vez mais em grupos de compra, cooperativas e centrais de cooperativas, ajudando na gestão da terra, dos ativos e custos via ações coletivas.

Vivenciaremos um aumento da exposição ao risco e da demanda por capital devido à oferta de produtos e serviços mais sofisticados. O uso da tecnologia permitirá integração de atividades e a agricultura digital, feita “nas nuvens”.

Por fim, haverá desafios na sucessão nas propriedades rurais, nas entidades de classe, associações, sindicatos e cooperativas, entre outros. Uma nova era de governança nessas entidades estará em curso.

Sindical – A forma de produzir em 2025 será diferente?

Professor Marcos Fava – Em se pensando nestas mudanças, fica evidente que a agricultura em 2025 será diferente da atual. O importante disto tudo é que não faltarão oportunidades para colocar nos mercados os produtos dos países eficientes, e o Brasil tem grandes chances de aumentar as exportações no cenário atual, e mais ainda se fizer as reformas estruturantes que falamos.

Sindical – Das incertezas, surgem possibilidades. Como o sr. vê essa afirmação?

Professor Marcos Fava – O Brasil tem oportunidades Imensas no curto, médio e longo prazos. A população mundial chegará a 9 bilhões de pessoas em 2050, necessitamos produzir para mais 2 bilhões de pessoas. Existe intensa urbanização, que impacta no hábito de consumo, com mais proteína demandando mais grãos.

Apesar dos tropeços, haverá crescimento econômico mundial, principalmente nos países emergentes, os grandes mercados futuros de alimentos. Eles terão que importar.

Grandes programas governamentais de distribuição de alimentos e de renda à parcela das populações impactam favoravelmente o consumo.

Há um crescimento do mercado de alimentação para animais, sejam os produtores de proteína como de recreação (mercado pet).

A onda “BIO” volta a crescer no mundo. Maior conscientização do biocombustível, desde o etanol, biodiesel, bioquerosene, biogasolina, biopneu, bioplástico, bioeletricidade, todos demandando produção agrícola. Todo país que assina uma meta de uso de biocombustível misturado ao combustível fóssil abre uma oportunidade ao Brasil.

Sindical – E quais seriam esses mercados?

Professor Marcos Fava – É um desafio avaliar quais países do mundo estão mostrando as maiores oportunidades. Há números surpreendentes na Indonésia, Nigéria, China, Vietnã e Paquistão, onde houve uma explosão no número de redes fast food, que conquistaram a confiança dos consumidores melhorando suas cadeias de suprimento e demonstrando preocupação com a saúde da população. Ocorreu ainda uma ocidentalização das novas gerações com o grande uso de dispositivos móveis.

As empresas brasileiras precisam de ações de construção de posições nestes mercados.

Ainda devemos considerar países que possuem recursos a serem exportados, com capacidade de pagar pelas importações. Avaliar mercados que apresentam deficiência em recursos produtivos, como terras e água escassas; com políticas favoráveis à mistura de biocombustíveis na gasolina; disponibilidade de canais de distribuição para importação e logística factíveis. câmbio que favoreça a importação.

Outros exemplos são Índia, Angola, África do Sul, México e países agregados do Oriente Médio.

Sindical – Quem vai vencer a disputa por esses mercados crescentes?

Professor Marcos Fava – Quem tiver e manejar bem os recursos necessários para se produzir, sejam os naturais, como vantagem comparativa, como os inerentes à atividade humana, com suas fontes de vantagem competitiva.

Sindical – E qual a lição de casa do Brasil?

Professor Marcos Fava – Há uma lista de trabalho. Temos que focar terra e solo, quanto à disponibilidade e preço; a água e o clima; disponibilidade de mão de obra produtiva e qualidade da educação; nutrientes e insumos, como fertilizantes e calcário, disponíveis e a preços competitivos; tecnologia, pesquisa e desenvolvimento fortes; a produtividade; crédito para investimentos e seguro de produção e renda; instituições com credibilidade; organizações eficientes e propositivas; eficiência de Governos, promovendo investimentos, marcos regulatórios e privatizações.

Precisamos de energia com disponibilidade e competitividade de custos; capacidade de estocagem, transporte eficiente; boa gestão nas propriedades, evitando desperdícios; e coordenação da cadeia produtiva.

Necessitamos de um sistema agroindustrial que reduza custos e promova ações conjuntas para desenvolvimento setorial; e uma comunicação adequada da atividade produtiva como geradora de valor na sociedade;

Estes recursos precisam ser trabalhados para maior competitividade do agronegócio, via Governo e cadeias produtivas.

Sindical – E o papel do setor privado nesse cenário?

Professor Marcos Fava – É fundamental um setor privado ativo, inovador. No âmbito empresarial, sempre relacionado com o público, é necessário às empresas atuarem no modelo que chamo de CCCV (criação, captura e compartilhamento de valor), visando o tripé de ações estratégicas em diferenciação, custos e ações coletivas.

Em diferenciação destaco estratégias ligadas a construir relacionamento integrado e oferta de soluções ao comprador; fortalecer pesquisa; inovar em produtos, serviços, imagem e marca, soluções de embalagens, canais e força de vendas, serviços e ter como foco oferecer performance para o comprador. Buscar sempre a sustentabilidade e as certificações de excelência.

Já em custos, explorar com competência a atividade central da empresa; melhor uso dos ativos da organização; produção em escala; observar os custos e a qualidade dos insumos; maior eficiência no trabalho; redesenho das operações; estímulo de competição entre fornecedores; arquitetura financeira criativa; reduzir o poder de barganha dos vendedores; buscar melhores momentos de compras; contratos estáveis e uso intensivo de inovações tecnológicas redutoras de custos e gestão “celular” dos custos de produção.

Finalmente, destaco as ações coletivas horizontais, das empresas da mesma indústria, e verticais, da mesma cadeia produtiva; com empresas não relacionadas; fortalecer as associações setoriais, participar de cooperativas, fortalecer alianças estratégicas. Devem melhorar a cadeia de suprimentos via montagem de centrais de compras, ações conjuntas em produtos, marcas, embalagens e serviços, canais de distribuição e vendas, comunicação, precificação, entre outras. É uma área onde o agronegócio  brasileiro tem muito a melhorar.

Sindical – Em resumo, o papel do agronegócio brasileiro se mostra cada vez mais relevante.

Professor Marcos Fava – Apesar de um 2015/2016 muito difíceis, acredito que ações adequadas nos ambientes públicos e privados para redução dos custos de produção no Brasil e melhoria na utilização de recursos trarão condições de continuar avançando sustentavelmente em direção à mais produção e mais exportações. O agronegócio não é a única, mas sem dúvida é a maior chance aberta à sociedade brasileira para inserção mundial nos próximos 30 anos, promovendo com isto o desenvolvimento econômico, social e ambiental de nossa sociedade.

O próximo passo é olhar como fazer isto a partir desta lista e trabalhar fortemente em um plano estratégico com claros objetivos, adequadas estratégias e arrojados indicadores a serem alcançados.

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