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Alta de custos ameaça ganhos da agricultura brasileira

Custos de produção, como tributos e trabalhistas, ameaçam os bons resultados da agricultura brasileira. A avaliação é de Marcos Fava Neves, professor titular de Planejamento e Estratégia na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.

Doutor em Economia, Neves falou ao site do Sindical, baseando-se no trabalho que realiza na USP e também na função de coordenador científico da Markestrat. (www.markestrat.org).

A entrevista será divulgada em duas partes. Confira a primeira delas.

Sindical – Professor, qual leitura podemos do futuro do agronegócio?

Marcos Fava Neves – O ano de 2015 está se confirmando, e provavelmente também 2016, como dos mais difíceis dos últimos tempos, face aos ajustes que precisam ser feitos e ao elevado grau de incertezas.

Vejo pelo menos 20 itens que influenciam o cenário, como a inflação persistente e aumentos de preços administrados pelo governo, aumentando ainda mais os custos de produção. Também temos desvalorização cambial.

Creio na tentativa de volta de alguns impostos, a CPMF, pois o Governo pode não equilibrar as contas. O resultado ruim do crescimento refletirá no ânimo das pessoas, dos investidores e perdurando por mais dois a três anos.

Uma gravíssima crise de água e energia elétrica geraria um racionamento mortal à nossa combalida economia. Juros elevados aqui para combater a inflação e um provável aumento nas taxas nos EUA agravam a situação de crédito e câmbio.

Preços menores das commodities afetam o Brasil, impactando na balança comercial.

Também há o elevado endividamento das famílias, que afeta crédito e consumo. O cenário inclui a baixa confiança dos empresários, aumento do desemprego e da insegurança urbana e rural.

A esfera política apresenta uma governabilidade comprometida por um Congresso fragmentado e infiel. A crise de governança continua, com 39 Ministérios, aparelhamento nos cargos públicos e, com exceções, um time de ministros tecnicamente não adequados aos cargos.

Movimentos sociais contra a má-gestão e a corrupção cresceram e ganharão mais impulso com a piora do mercado de trabalho.

O tamanho da corrupção e a gravíssima crise da Petrobras gerada na atual gestão trazem impactos. Tem-se o efeito “dominó nas estatais”, com início também das investigações em outras estatais e bancos públicos, escândalos que levam a uma quase paralisia da gestão pública e das grandes obras.

Sindical – Como estas questões impactam o país e a agricultura?

Marcos Fava Neves – Impactam no consumo e nas pressões para redução de preços. Nestes casos, sempre sofrem mais os mercados de produtos mais supérfluos na alimentação.

Mas, com ajustes, o Brasil tem condições de retomar o crescimento, pois existem pontos positivos, como o alto volume de reservas. O país apresenta condições importantes para atrair investimentos de longo prazo, afinal temos o sétimo maior mercado consumidor do mundo, com grande presença de recursos produtivos sub-explorados e valores consolidados como a democracia e instituições na área pública e privada. Portanto, apesar do momento e do estágio aonde chegamos, não podemos perder a confiança e esperança em nossa economia.

Este é o fato que deve ser analisado semanalmente. É como um regime. Se os resultados do ajuste, do sacrifício, começarem a aparecer rapidamente, haverá um estímulo e uma retomada da confiança.

Outras duas outras ações seriam fundamentais para injetar ânimo: medidas fortes para ganhos de produtividade das indústrias, e um amplo programa de concessões de infraestrutura pública em rodovias, portos e aeroportos.

Sindical – E o cenário para a Agricultura?

Marcos Fava Neves – As safras 14/15/16 serão desafiadoras. Após anos de bonança em preços, a rentabilidade da produção de grãos deverá cair face principalmente a grandes safras no mundo, notadamente nos EUA, e expectativas de bons plantios no Mercosul.

A CONAB estima uma safra de grãos entre 194,4 a 199,9 milhões de toneladas, podendo ser 0,1% menor que a safra 13/14 até 2,7% maior no limite superior. Os dois principais produtos, milho e soja, devem ter bom desempenho.

Temos bons estoques mundiais, perspectiva que nos leva a menores preços comparados aos anos de bonança mas acima dos preços de antes de 2007/2008.

Mesmo diante da maior flutuação da soja e cotações médias mais baixas, existirão oportunidades para fixação em patamares interessantes, portanto devemos ter habilidade de comercialização.

A maioria dos produtores postergou a comercialização e não fixou preços, no aguardo de condições mais atrativas. Houve um aumento do risco de crédito ao distribuidor de insumos, como revendas e cooperativas, em alguns casos com solicitação de prorrogação de prazos de pagamentos.

O cenário pode fortalecer a prática de “barter”, pois proporciona hedge ao agricultor e reduz risco de recebimento. Aí ganham importância as políticas de crédito conservadoras.

A menor rentabilidade leva o agricultor a optar por tecnologia de menor custo. Fertilizantes, sementes e defensivos são impactados, mas o maior impacto será em máquinas e implementos, pois são a solução menos dolorosa na hora de postergar investimentos.

A situação mais apertada deve elevar a participação de arrendamentos, pois muitos deixam a atividade, arrendando para produtores mais eficientes, que crescem na crise.

Sindical – E a questão cambial?

Marcos Fava Neves – A desvalorização do real perante o dólar gera riscos para insumos importados e, por outro lado, compensação de preços das commodities quando transformados de dólar para real.

Vejo um cenário complicado, mas com expansão da área agrícola, pelos fundamentos favoráveis de médio e longo prazo da nossa agricultura. Nesse jogo, áreas em expansão carregam favoravelmente o mercado de insumos, que continuará crescendo, mas o desafio será a oferta de crédito.

Momentos difíceis aceleram o processo de concentração e profissionalização do setor.

O clima entra nessa análise. Qualquer evento não esperado muda o quadro. É muito grave o quadro da água, com restrição à irrigação e seca no sequeiro. Como também é grave a questão da energia, escassa e cara.

O petróleo barato afeta o consumo de alimentos. Torna-se negativo na Rússia, Angola e Venezuela, que são países que dependem dos preços para financiar suas atividades. Por outro lado, gasolina mais barata em mercados importadores terá impacto positivo no consumo de alimentos em grandes mercados como China, Índia, EUA. Em resumo, o que se economiza em combustível pode ser alocado para melhorar os padrões de alimentação;

Sindical – Há uma preocupação com a alta dos custos no Brasil?

Marcos Fava Neves – Sim, pode atrapalhar a conquista de mercados pela agricultura brasileira.

Apesar dos incríveis ganhos de eficiência, do show na renda agrícola, que passou de R$ 257 bilhões em 2004 para provavelmente mais de R$ 450 bilhões em 2014, e do salto nas exportações, que foram de US$ 20 bilhões em 2000 para praticamente US$ 100 bilhões nestes últimos anos, a agricultura brasileira passou por um considerável aumento de custos de produção, que teve contrapartida no aumento de preços das commodities, mas é preocupante quando os preços caem.

O custo do trabalho teve um aumento de 100% em dólar em 10 anos, além de novas exigências, dos custos ambientais e das operações logísticas. Vemos ainda a baixa capacidade de armazenagem da safra brasileira; a alta carga e a complexidade tributária; menor disponibilidade de capital, com elevação de juros e dificuldades de acesso ao crédito governamental.

Corrupção, inflação, a insegurança jurídica, invasões de áreas, estes fatos todos, que não são exclusivos à agricultura, comprometeram a geração de renda no Brasil, o que se observa com o crescimento quase zero de nossa economia e a redução de 3% da atividade industrial em 2014.  Este “andar de lado” da geração de renda comprometerá a distribuição de renda em 2015 e nos anos seguintes.

É necessário que o setor público e privado trabalhem fortemente para reduzir custos de produção visando tornar o país mais competitivo e os produtores, mais capazes de suportarem períodos de menores preços e continuarem conquistando espaço no mercado internacional. Caso isto não seja feito, o Brasil corre grandes riscos de não ser o vencedor no indiscutível aumento de consumo de alimentos que ocorrerá no mundo.

Veja em breve a segunda parte da entrevista.

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