Incríveis os preços ao setor de cana

(Boletim Cana30: resumo de novembro e os pontos selecionados para dezembro)

Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vitor Nardini Marques e Vinicius Cambaúva

Seguem nossas reflexões dos fatos e números da cana em outubro/novembro e o que acompanhar em dezembro. Na cana até o dia 01 de novembro de 2021, a moagem acumulada de cana-de-açúcar da safra 2021/22 na região Centro-Sul havia alcançado 504,41 milhões de t, valor 10,85% inferior àquele constatado no mesmo período do ciclo passado, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). 138 unidades processadoras já encerram a safra, e outras 87 devem fechar o ciclo até 15 de novembro. Estima-se que 97% da safra já esteja colhida, ou seja, 7,35 milhões de hectares. Com relação à qualidade da matéria-prima, o teor acumulado de ATR também é inferior ao da safra anterior, 142,82 kg/t (-8,13%).

Já no monitoramento da produtividade dos canaviais, divulgado pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), constatou-se uma redução de 11,2% no rendimento da produção em outubro, atingindo 55,4 t por hectare, contra 62,4 t por hectare do mesmo mês de 2020.

Segundo dados da consultoria Czarnikow, os custos médios de produção da cana-de-açúcar cresceram 20% nas últimas duas safras, especialmente por conta da elevação nos preços de insumos, os quais representam 50% dos custos totais da cultura. Por conta disso, muitos produtores têm reduzido a aplicação de fertilizantes e buscando alternativas, como a torta de filtro, para as lavouras. Os principais fatores que impulsionaram essa elevação nos custos foram: o câmbio (desvalorização do real); custos elevados para o transporte (especialmente marítimo; contexto da falta de contêineres); e a escassez de matérias-primas (crise energética na China e outros). As estimativas mais recentes da Czarnikow apontam que a safra de cana-de-açúcar no Centro-Sul, no ciclo 2021/22, deve mesmo fechar em torno de 520 milhões de toneladas moídas. Para a próxima, a consultoria estima uma moagem total de 540 milhões de toneladas.

Já a Datagro estima uma moagem entre 530 e 565 milhões de toneladas na safra 2022/23, sendo que devem ser produzidos 33,7 milhões de toneladas de açúcar. Segundo a consultoria, a moagem só deve ultrapassar novamente a merca de 600 milhões de toneladas na safra 2023/24. Para o ciclo atual, a Datagro estima um fechamento em 518,6 milhões de toneladas.

O clima desfavorável é o grande vilão do setor nesta temporada. Os canaviais da região Centro-Sul e principalmente do estado de São Paulo sofreram com o forte período de estiagem, geadas, além de incêndios registrados acima da média. Assim, a produção despencou quase 15% em relação a estimativa inicial de 605 milhões de t, agora avaliada em 520 milhões de t. Apenas em São Paulo, a queda de produção foi avaliada em 55 milhões de t, o que equivale a produção total de Minas Gerais ou de toda a região Nordeste.

Apesar das adversidades com geadas e incêndios acima da média, a São Martinho apresentou resultados positivos no segundo semestre da safra 2021/22, com lucro de R$ 368,4 milhões, 11% maior em comparação ao ciclo passado. Os preços mais atrativos do etanol (+68,2%) e do açúcar e energia cogerada (+40%) permitiram a geração de uma receita líquida de R$ 1,4 bilhão (+54%) e um Ebitda de R$ 790 milhões (+65,9%).

Em outubro, a produção nacional de Créditos de Descarbonização (CBIOs) totalizou 2,54 milhões de títulos, gerando um valor acumulado de 25,77 milhões nos dez primeiros meses do ano, de acordo com ItaúBBA. Dessa forma, a oferta de CBIOs já é superior à meta de aquisição por parte das distribuidoras, de 24,9 milhões.

No açúcar, na segunda quinzena de outubro, a produção de açúcar na região Centro-Sul brasileira apresentou retração de 50% em comparação ao mesmo período da safra anterior, somando 858,2 mil t, de acordo com levantamento da Unica. Por sua vez, no acumulado desde o início do ciclo até 01 de novembro, o volume do adoçante alcançou 31,22 milhões de t, refletindo uma redução de 14,27% no período.

Segundo levantamento da Archer Consulting, as usinas brasileiras fixaram os preços de 1,2 milhão de t de açúcar para a temporada 2022/23 no mês de outubro, a um valor médio de R$ 2,488/t. Dessa forma, 11 milhões de t já estão com posições fechadas para o próximo ciclo, representando 43,25% do volume estimado. Na temporada anterior, esse índice era de 45%, apenas dois pontos percentuais acima. No mercado futuro, a Archer Consulting indica que as cotações do açúcar para a safra 2022/23 estão em R$ 2,386 por tonelada; e as do ciclo 2023/24 em R$ 2,154 por tonelada – valores de contratos a termo de dólar com liquidação financeira (NDF) e descontada a taxa de juros básica da economia (7.75% ao ano).

No etanol, considerando a segunda quinzena de outubro, foram produzidos 527,4 milhões de litros de etanol hidratado na região Centro-Sul, o que equivale a uma queda de 39,71% frente a mesma quinzena de 2020; já para o anidro a produção foi de 526,3 milhões de litros (-17,46%) – os dados são do boletim quinzenal da Unica. No acumulado, desde 1° de abril, já foram produzidos 25,09 bilhões de litros de etanol, sendo que 10,01 bilhões do tipo anidro (40,3%) e 15,08 bilhões do tipo hidratado (60,1%). Do total produzido até o momento, 1,94 bilhões de litros (7,7%) tiveram o milho como matéria-prima.

As vendas de etanol pelas unidades da região Centro-Sul em outubro totalizaram 2,14 bilhões de litros, queda de quase 35% em comparação aos dados no mesmo mês no ciclo passado.  saldo acumulado de comercialização desde o início da safra é de 16,9 bilhões de litros (-5,07%), sendo 993,47 milhões litros (-44,87%) destinados à exportação e os outros 15,91 bilhões de litros (-0,59%) para atender a demanda doméstica. Do volume vendido internamente, 5,99 bilhões de litros (+21,88%) são referentes a etanol anidro e 9,91 bilhões de litros (-10,56%) ao hidratado.

Em setembro, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) as vendas de combustíveis do ciclo Otto (veículos leves) somaram 4,38 bilhões de litros, 1,5% maior que o registrado no mesmo mês de 2020. No total, foram vendidos 1,27 bilhão de litros do etanol hidratado, queda de 25,0% em relação a setembro do ano passado. No acumulado do ano (janeiro a setembro), as vendas de combustíveis cresceram 6,6%, sendo que foram comercializados 13,16 bilhões de litros do etanol hidratado (-4,3%) e 28,23 bilhões de litros de gasolina (+10,7%).

Um fator que tem preocupado é a possibilidade de problemas com a distribuição de combustíveis. Segundo a Petrobras, em novembro, a demanda por diesel cresceu 20% em relação à novembro passado (período pré-pandemia); e para a gasolina cresceu 10,0%. A Brasilcom, associação nacional de distribuidores, afirma que as empresas nacionais não tem condição de comprar combustível do exterior, por conta dos preços bastante elevados. A Petrobras opera com 90,0% da sua capacidade; no primeiro semestre, a média foi de 79,0%.

Por outro lado, segundo a Tereos, o estoque brasileiro de etanol deve ser suficiente para atender toda a demanda interna durante o período de entressafra da cana-de-açúcar, até abril do próximo ano. Isso porque, apesar da forte recuperação no consumo do biocombustível nos últimos meses, estamos com a menor participação do etanol no Ciclo Otto dos últimos 5 anos; assim, os níveis de demanda serão atendidos pela nossa capacidade de estoque.

A Raízen afirmou que tem conseguido vender o etanol de segunda geração (E2G) e/ou etanol celulósico com prêmios de 70% em relação ao preço do convencional. Esses valores foram conquistados pela companhia por meio de vendas ao mercado americano, que recompensa o produto de acordo com o tipo de tecnologia de produção (são os RINs do biocombustível); quanto mais limpo, maior o prêmio. A Raízen já investiu R$ 500 milhões com este tipo de tecnologia e tem planos para novos investimentos. Atualmente, a companhia possui uma unidade produtora do etanol de segunda geração em Piracicaba – SP, e está construindo uma segunda em Araraquara, também no estado de São Paulo.

Um novo pacote de mudanças no varejo de combustíveis foi aprovado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Dentre as medidas, estão a liberação da venda de etanol e gasolina via delivery, além da remoção da terceira casa decimal dos preços, visando beneficiar o consumidor final, facilitando seu entendimento. Se trata de mais uma alteração que é somada ao setor neste ano, que já teve a venda direta das usinas para os postos liberada pela MP do governo federal.

Olhando para as projeções do mercado de biocombustíveis em território nacional, a oferta de etanol deve chegar a 46 bilhões de litros em 2031 – é o que estima a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em seu mais recente Plano Decenal de Expansão de Energia. Além disso, a produção de eletricidade a partir do bagaço da cana está estimada em 6,2 GW para o final do período; enquanto o biogás pode alcançar um potencial de 6,5 bilhões de Nm³.

No fechamento do nosso texto uma alegria vinda do etanol de milho. O anúncio de investimento de R$ 2,3 bilhões pela FS Bioenergia (grupo Summit) em sua terceira indústria de etanol. Esta será em Primavera do Leste (MT). Deve ser inaugurada em junho de 2023. A unidade foi projetada para moer cerca de 1,3 milhão de toneladas de milho gerando quase 600 milhões de litros de etanol.

Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em dezembro na cadeia da cana:

  1. Safra 2022/23: terminando a safra com cerca de 520 toneladas moídas, e com o consumo semelhante ao de 2020, esta entressafra trará emoções e os estoques devem ficar baixos. As chuvas voltaram, se pelo menos não trará efeitos agora já que a colheita se aproxima do final, ajudará na cana de 2022. Mas esta apresenta atrasado estágio de desenvolvimento, e dependerá muito do que vai ocorrer até abril. Mas é fato que será uma safra menor (provavelmente ao redor de 500 milhões de toneladas e com preços altos.
  2. O consumo de combustíveis agora que começam as férias no Brasil. Qual o efeito do grande aumento de preços no consumo?  A gasolina subiu novamente e o etanol hidratado, ao fechar esta coluna, pelos dados da SCA, estava em R$ 4,52/l com impostos nas usinas, e o anidro em R$ 4,55/l, aumento considerável em relação ao mês passado. Existe grande tendência de se fazer mais anidro para a mistura ao crescente consumo de gasolina.
  3. O barril do petróleo tipo Brent estava em US$ 81. Segue trazendo impacto na inflação. Qual será seu comportamento neste final de ano?  Será que com possibilidades de novos isolamentos pode cair um pouco, mas tem a demanda de energia no inverno do hemisfério norte, enfim…
  4. Ao fechar esta coluna, o açúcar estava em 20 cents/libra peso na tela de março de 2022. Observar o caminhar dos preços em dezembro, mas acredito em estabilidade.
  5. Os problemas de preços e abastecimento de insumos e as necessidades da cana para boa performance na safra 2022/23. Os investimentos em renovação e nas soqueiras devem ser maiores, devido aos bons preços.

Valor do ATR: no início do ciclo 2021/22, os valores de ATR registrados nos três primeiros meses (abril, maio e junho) foram de R$ 1,0141/kg, R$ 1,0564/kg e 1,0630/kg, respectivamente. Em julho, o indicador seguiu a tendência de alta, fechando em R$ 1,0878/kg. Em agosto, o mesmo comportamento, com preços em R$ 1,1425/kg. Setembro fechou com R$ 1,209/kg. E o novo dado, que se refere a outubro, indica mais um aumento, com preços agora em R$ 1,2938/kg. No acumulado da safra 2021/22, temos o valor de ATR em R$ 1,1341/kg. Acreditamos que os preços devem ficar entre R$ 1,16 a R$ 1,18 até o final deste ciclo.

Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Acompanhe outros materiais na página DoutorAgro.com, no canal do Youtube e no MarketClub Sicoob Credicitrus, a quem agradeço ao apoio para elaborar este texto, bem como a co-autoria do Vitor Nardini Marques e Vinicius Cambaúva.

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